Quando o nome Assata Shakur aparece em uma manchete, ele carrega décadas de debates inflamados, lutas por justiça racial e controvérsias judiciais. Vista por muitos como uma heroína da resistência negra e por outros como uma criminosa fugitiva, sua morte aos 78 anos, em Cuba, reacendeu questões sobre racismo estrutural, justiça seletiva e o papel do ativismo radical nos Estados Unidos.
Quem foi Assata Shakur? Por que ela se tornou uma das mulheres mais procuradas pelo FBI e, ao mesmo tempo, uma referência para gerações de militantes ao redor do mundo? Neste artigo, você vai mergulhar em sua história — da infância à militância, da condenação à fuga, e finalmente ao exílio, onde viveu até seus últimos dias.
Sumário do conteúdo
Origens e juventude de Assata Shakur
Nascida em 16 de julho de 1947 como JoAnne Deborah Byron, Assata Shakur cresceu em um ambiente de segregação racial, no Queens, em Nova York, e depois em Wilmington, na Carolina do Norte. Ainda jovem, foi exposta às desigualdades e violências enfrentadas por negros nos Estados Unidos, o que moldaria suas escolhas futuras.
Na década de 1960, passou a se envolver com movimentos estudantis e causas sociais. Seu interesse por direitos civis e empoderamento da população negra a levou a adotar o nome Assata Shakur — “Assata” significando “lutadora” e “Shakur” significando “agradecida” — em uma rejeição simbólica ao que ela chamava de “nome de escrava”.
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O ativismo radical e o envolvimento com o BLA
Na década de 1970, Assata uniu-se ao Black Panther Party, movimento revolucionário que defendia o direito à autodefesa armada da população negra. Posteriormente, ela passou a integrar o Black Liberation Army (BLA), uma dissidência armada das Panteras Negras.
O BLA era acusado pelo FBI de envolvimento em diversos atentados, assaltos a bancos e emboscadas contra policiais. Para o governo, era uma organização terrorista doméstica; para seus membros, uma frente de resistência contra o genocídio negro.
Assata, segundo registros oficiais, participou de ações políticas radicais, embora ela negasse envolvimento direto em atos violentos. Em várias ocasiões, foi presa, julgada e posteriormente absolvida, com os júris considerando fracas as provas apresentadas pela acusação.

O caso que mudou tudo: tiroteio em Nova Jersey
Em 2 de maio de 1973, Assata e dois colegas do BLA foram parados por patrulheiros rodoviários na New Jersey Turnpike. O que começou como uma abordagem policial transformou-se em um tiroteio. O policial Werner Foerster e um dos militantes morreram no local; Assata foi ferida gravemente.
Segundo a promotoria, Assata Shakur teria disparado contra o policial, mas ela sempre manteve que foi alvejada com as mãos erguidas. Inclusive, médicos confirmaram que os ferimentos em seus braços eram compatíveis com essa versão.
Ainda assim, em 1977, um júri formado exclusivamente por brancos a considerou culpada por assassinato em primeiro grau, sentenciando-a à prisão perpétua.
A espetacular fuga da prisão
Dois anos após sua condenação, em 1979, Assata Shakur protagonizou uma das fugas mais cinematográficas da história dos EUA. Com a ajuda de militantes do BLA, conseguiu escapar da prisão feminina de Clinton, em Nova Jersey.
As investigações revelaram que membros do grupo invadiram a penitenciária com armas, dominaram os guardas e colocaram Assata em um carro que a levou para fora do estado. Após anos de busca, o paradeiro da fugitiva seria finalmente revelado em 1984, quando ela apareceu em Cuba, onde foi acolhida pelo governo de Fidel Castro.
A vida no exílio e o pedido de extradição
Vivendo como exilada política em Cuba, Assata Shakur se tornou uma figura controversa. De um lado, recebia apoio de intelectuais, artistas e movimentos de direitos civis. De outro, o governo dos EUA classificava sua fuga como uma afronta à justiça americana.
O FBI passou a oferecer recompensas de até US$ 2 milhões por informações que levassem à sua captura, e ela foi a primeira mulher negra incluída na lista dos terroristas mais procurados da agência federal.
Em Cuba, Shakur viveu sob proteção do governo, escreveu sua autobiografia e permaneceu longe dos holofotes por anos, embora ainda ativa politicamente em círculos locais e acadêmicos.
A autobiografia e a influência cultural
Publicado em 1987, o livro Assata: An Autobiography tornou-se leitura obrigatória em universidades e movimentos sociais. A obra detalha sua infância, militância, prisão e fuga, sempre sob a ótica de uma mulher negra, pobre e perseguida pelo sistema.
Assata Shakur também é conhecida por sua relação familiar com o rapper Tupac Shakur, de quem era madrinha. Tupac frequentemente mencionava sua tia como inspiração, reforçando seu legado entre jovens negros nos EUA e no mundo.
A morte em Cuba e o legado eterno
No dia 25 de setembro de 2025, Assata Shakur faleceu aos 78 anos, em Havana, por complicações de saúde relacionadas à idade. O governo cubano confirmou oficialmente o óbito, e diversas manifestações de luto e homenagem se espalharam pelas redes sociais.
Apesar de nunca ter sido extraditada, autoridades americanas reafirmaram seu desejo de que a justiça tivesse sido feita. “Infelizmente, ela morreu sem ser responsabilizada por seus crimes”, declarou o governador de Nova Jersey.
Assata Shakur: criminosa ou mártir?
A história de Assata Shakur permanece um espelho dos dilemas da sociedade americana. Para uns, é uma assassina foragida que enganou o sistema. Para outros, uma símbolo de resistência contra um Estado racista, opressor e seletivo na aplicação da lei.
O fato é que sua figura atravessa décadas, inspira movimentos sociais e impõe um incômodo necessário: o de discutir como justiça, racismo, poder e liberdade se entrelaçam — ontem e hoje.
Conclusão
A trajetória de Assata Shakur é complexa, controversa e profundamente simbólica. Sua morte encerra um ciclo histórico, mas o debate em torno de sua figura continua mais vivo do que nunca. Seja nos livros, nas músicas ou nas ruas, seu nome permanece gravado como uma lembrança incômoda daquilo que muitos preferem esquecer: a luta por dignidade em um mundo desigual.
Neste momento em que sua história se fecha em termos biológicos, sua narrativa permanece aberta — para ser lida, debatida, confrontada e, quem sabe, compreendida à luz do tempo. Mais do que um nome, Assata Shakur se tornou parte da história da luta negra mundial.