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Brasília, Brasil – Em um novo capítulo da conturbada relação entre dois dos mais influentes nomes da política brasileira, o ex-governador e atual deputado federal Ciro Gomes (PDT) disparou uma resposta contundente neste sábado, 7 de junho de 2025, à ação judicial movida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em um vídeo divulgado amplamente nas redes sociais, Ciro não poupou o chefe do Executivo, classificando-o como “covarde” e afirmando categoricamente estar sendo alvo de uma perseguição política que, segundo ele, visa silenciá-lo. A troca de farpas eleva a temperatura do debate político nacional e joga luz sobre o complexo cenário das relações entre figuras públicas e o uso do aparato judicial em disputas ideológicas.
A ação que provocou a ira de Ciro foi protocolada no mês passado pela Advocacia-Geral da União (AGU) na Justiça Federal do Ceará. O processo não busca uma condenação por crimes de honra em si, mas exige que Ciro Gomes esclareça declarações polêmicas feitas em suas redes sociais. Nessas declarações, o pedetista teria acusado Lula de corrupção e peculato, além de insinuar que o presidente teria recebido propina para implementar o programa “Crédito do Trabalhador”. A AGU, na petição inicial, argumenta que o objetivo da interpelação é “delimitar o alcance real de suas palavras e expressões, de modo a corrigir sua conduta”. Em outras palavras, o ex-ministro precisa detalhar se ele ratifica ou nega as acusações que lançou publicamente, abrindo caminho para futuras ações legais caso as declarações sejam mantidas.
A resposta de Ciro Gomes, no entanto, foi muito além de um simples esclarecimento. Em seu pronunciamento, ele elevou o tom e acusou Lula de utilizar o cargo de presidente da República para orquestrar um ataque judicial contra sua liberdade de expressão. Ciro classificou a ação como um “jogo judicial”, uma tática que, em sua visão, se enquadra no que ele chama de “lawfare” – o uso estratégico do direito para deslegitimar, perseguir e anular adversários políticos.
O pedetista declarou que vem suportando um “enorme lawfare” nos últimos anos, com múltiplos processos que ele descreve como “artificiais”, movidos por interesses políticos e econômicos. Essa narrativa de “perseguição” não é nova na retórica de Ciro, que frequentemente se posiciona como uma voz dissidente e “incômoda” no cenário político brasileiro, muitas vezes atacando tanto a direita quanto a esquerda tradicional. Ao invocar o termo “lawfare”, Ciro Gomes tenta enquadrar a ação da AGU em um contexto de táticas abusivas que visam desmoralizá-lo e tirá-lo do debate público.
Um dos pontos mais enfáticos de sua resposta foi a observação sobre a natureza da ação: “Ele me interpela judicialmente por suposto ataque à sua honra, mas não por calúnia, pois isso me daria o direito de provar que tudo o que digo é a mais pura verdade”. Essa afirmação é um desafio direto e uma provocação legal. Ciro sugere que, se a ação fosse por calúnia, ele teria a oportunidade de apresentar provas de suas acusações, o que, para ele, confirmaria a veracidade de suas críticas. Ao optar pela interpelação, que apenas exige o esclarecimento, Lula e a AGU estariam, na visão de Ciro, evitando um confronto probatório direto que poderia expor fatos supostamente desfavoráveis ao presidente.
O termo “lawfare”, uma junção das palavras “law” (lei) e “warfare” (guerra), refere-se ao uso abusivo do sistema jurídico para fins políticos ou militares. No Brasil, o conceito ganhou proeminência nos últimos anos, especialmente em casos de alta repercussão envolvendo políticos e empresários. A principal crítica de quem alega ser vítima de lawfare é que o processo legal se torna um fim em si mesmo, e não um meio para buscar justiça. Os objetivos seriam:
A alegação de Ciro Gomes se insere nesse contexto, sugerindo que a ação de Lula não é um mero resguardo da honra, mas uma tática de guerra política. Essa abordagem, se comprovada, pode ter sérias implicações para a credibilidade das instituições e para a percepção pública sobre a imparcialidade do sistema de justiça.
Além da reação à ação judicial, Ciro Gomes aproveitou a oportunidade para tecer duras críticas às políticas econômicas adotadas pelo governo Lula. O deputado federal não hesitou em qualificar essas políticas como “agiotagem” contra o povo brasileiro. Essa é uma crítica recorrente do pedetista, que historicamente defende um projeto nacional de desenvolvimento, com juros mais baixos, industrialização e maior intervenção estatal na economia.
Para Ciro, as políticas atuais, que ele associa a uma alta taxa de juros e a um suposto favorecimento do setor financeiro, prejudicam a produção, o emprego e a capacidade de investimento do país, endividando ainda mais a população e os empresários. “A propósito, não ofendi em nada nas minhas exposições sobre as políticas de agiotagem do governo. São os fatos, e somente eles, que o ofenderam”, concluiu o ex-governador. Essa frase resume a essência de sua defesa: ele não estaria proferindo ataques pessoais, mas apenas expondo o que considera serem falhas graves na condução da política econômica, baseando-se em fatos e dados que, em sua visão, são inegáveis.
Essa crítica à política econômica do governo é um pilar da atuação de Ciro Gomes no campo da oposição. Ele se posiciona como um guardião de uma linha ideológica desenvolvimentista e nacionalista, que muitas vezes o coloca em rota de colisão tanto com as propostas liberais quanto com certas práticas de governos de esquerda que, para ele, se desviam de um projeto mais autônomo para o Brasil.
A “política de agiotagem” a que Ciro se refere geralmente aponta para as altas taxas de juros (como a Selic), a austeridade fiscal e a prioridade dada ao controle da inflação em detrimento do crescimento econômico. Na visão de Ciro:
Ciro Gomes tem se notabilizado por sua capacidade de apresentar análises complexas sobre a economia, utilizando termos impactantes para comunicar suas críticas. Sua defesa de um “projeto nacional de desenvolvimento” é um contraponto direto às políticas econômicas implementadas por diversos governos, incluindo o atual, que ele considera insuficientes ou equivocadas para resolver os problemas estruturais do país.
A troca de acusações entre Ciro Gomes e Lula ocorre em um momento estratégico do calendário político. Embora as próximas eleições presidenciais estejam distantes, o debate já começa a se formar. Ciro, que teve sua candidatura à presidência em 2022 marcada por um desempenho abaixo do esperado, busca manter sua relevância e se posicionar como uma voz crítica e alternativa.
A interpelação judicial, paradoxalmente, pode servir a esse propósito. Ao se apresentar como vítima de uma “perseguição”, Ciro Gomes reforça sua imagem de “outsider” e de figura que não se curva aos poderosos, um discurso que tem apelo em certas parcelas do eleitorado. A batalha jurídica se transforma, assim, em um palco para a disputa narrativa e para a reafirmação de posições políticas.
A polarização entre lulistas e bolsonaristas tem dominado o cenário político brasileiro nos últimos anos, deixando pouco espaço para terceiras vias. Ciro Gomes, que sempre tentou se posicionar fora dessa dualidade, enfrenta o desafio de se tornar uma opção viável em um campo político fragmentado. Suas críticas a Lula, embora contundentes, podem ser interpretadas como uma tentativa de demarcar território e de atrair eleitores descontentes com o atual governo, mas que também não se alinham com a oposição de direita.
O episódio entre Ciro Gomes e Lula levanta questões importantes sobre a saúde da democracia brasileira e os limites do debate público. A judicialização da política, embora em alguns casos necessária para coibir abusos, pode, se excessiva, inibir a liberdade de expressão e a crítica legítima.
É fundamental que o debate político seja robusto, com espaço para críticas severas e questionamentos, desde que não se configurem em calúnias, difamações ou injúrias comprovadas. A linha entre a crítica política contundente e a ofensa pessoal é tênue, e o papel do judiciário é crucial para equilibrar esses direitos e deveres.
A forma como essa ação se desenrolará e as reações subsequentes dos envolvidos terão um impacto na percepção pública sobre a liberdade de expressão no Brasil e sobre o ambiente de respeito mútuo (ou a falta dele) entre as principais lideranças políticas do país. Em um momento de polarização acentuada, a capacidade de líderes políticos de debater ideias e de criticar programas de governo sem recorrer a ofensas pessoais ou a táticas que busquem silenciar adversários é um termômetro da maturidade democrática. O Brasil, mais uma vez, se vê diante de um embate que transcende as cortes e reverbera nos corações e mentes de seus cidadãos.