Lula cobra ação global por oceanos e critica aumento de gastos militares em fórum em Mônaco

Mônaco, Principado de Mônaco – Em um discurso vibrante e repleto de urgência, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) utilizou a plataforma do Fórum de Economia e Finanças Azuis, encerrado neste domingo, 8 de junho de 2025, em Mônaco, para fazer um veemente apelo à comunidade internacional. Em um dia simbólico – o Dia Mundial dos Oceanos – Lula não poupou críticas à falta de coerência dos países ricos, que, segundo ele, têm reduzido investimentos em desenvolvimento sustentável enquanto inflam seus orçamentos militares. O evento em Mônaco serviu como uma crucial etapa preparatória para a 3ª Conferência da ONU sobre os Oceanos, que acontecerá de 9 a 13 de junho em Nice, na França, e onde as palavras de Lula prometem ecoar.

O líder brasileiro não mediu as palavras ao alertar: “Ou agimos ou o planeta corre risco”. A declaração sublinhou a gravidade da situação dos oceanos, que, apesar de serem a espinha dorsal do comércio global e da vida no planeta, recebem um financiamento irrisório para sua conservação. Lula destacou a paradoxal realidade de que mais de 80% do comércio internacional transita pelos oceanos, movimentando anualmente uma cifra impressionante de US$ 2,6 trilhões. Contudo, o financiamento destinado ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 14 da Agenda 2030, que trata especificamente da vida marinha e da conservação dos oceanos, é um dos mais deficitários. Uma lacuna gritante de US$ 150 bilhões por ano ainda separa o que é investido do que é necessário para cumprir as metas de proteção dos ecossistemas marinhos.

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O Protagonismo Brasileiro na Agenda Oceânica Global

Com uma costa de quase 8 mil quilômetros e uma das mais ricas biodiversidades marinhas do mundo, o Brasil ocupa uma posição intrinsecamente estratégica na agenda oceânica global. Lula aproveitou o púlpito em Mônaco para reforçar o compromisso do país e sua ambição de liderar os debates mais cruciais da atualidade. O presidente reiterou que o Brasil será a sede da COP30, em Belém (PA), um evento que se projeta como um divisor de águas nas discussões sobre o clima e o meio ambiente. Nesse contexto, a intenção é clara: liderar o esforço global para reverter a crise climática e, crucialmente, combater a persistente falta de compromissos financeiros internacionais que emperra a transição para um futuro mais verde e azul.

O Brasil, com sua “Amazônia Azul” – a vasta extensão de águas sob sua jurisdição – tem um papel vital não só na proteção de sua própria biodiversidade marinha, mas também na influência sobre políticas e acordos internacionais. O país se apresenta como uma voz poderosa do Sul Global, que busca justiça climática e financiamento adequado para os desafios ambientais que, muitas vezes, são herança de um desenvolvimento predatório das nações mais ricas.

Lula cobra ação global por oceanos e critica aumento de gastos militares em fórum em Mônaco

A Incoerência dos Países Desenvolvidos: Um Alerta Fiscal

O discurso de Lula em Mônaco não se restringiu a um apelo genérico. Ele utilizou dados recentes e contundentes para criticar o descompasso entre o discurso e a prática dos países mais desenvolvidos. O presidente trouxe à tona um contraste alarmante: “Em 2024, [os países ricos] reduziram em 7% a assistência ao desenvolvimento e aumentaram em 9,4% os gastos militares. Isso mostra que não falta dinheiro. O que falta é vontade política”.

Essa crítica direta e embasada em números aponta para uma falha ética e estratégica da comunidade internacional. Enquanto os recursos para projetos de desenvolvimento sustentável – que incluem a conservação oceânica e a adaptação climática – encolhem, os investimentos em armamentos e defesa militar crescem exponencialmente. Esse cenário não apenas desvia recursos de áreas vitais, mas também revela uma priorização que, para muitos, ignora a urgência da crise ambiental.

A ausência de investimentos robustos em sustentabilidade, argumentou Lula, afeta de forma desproporcional os países do Sul Global, que são, paradoxalmente, os mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas e da degradação ambiental. Para ilustrar a disparidade, o presidente pontuou: “A África tem 13 milhões de km² de território marítimo — o equivalente à União Europeia e aos EUA juntos”. Essa vasta área, rica em recursos e biodiversidade, necessita de investimentos massivos para sua conservação e para o desenvolvimento de uma economia azul sustentável, mas frequentemente carece dos recursos necessários.

Soluções Multilaterais e Mecanismos Financeiros Inovadores

Diante desse cenário de subfinanciamento e falta de compromisso, Lula defendeu a necessidade de uma revisão urgente na arquitetura financeira global. Ele propôs que bancos multilaterais – como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) – sejam mais eficientes e ágeis na liberação de recursos para projetos de sustentabilidade. A burocracia excessiva e a falta de flexibilidade dessas instituições são frequentemente apontadas como barreiras para o acesso a financiamento por países em desenvolvimento.

Além disso, o presidente defendeu a utilização de mecanismos financeiros inovadores, capazes de destinar fundos significativos para a economia azul e a proteção ambiental. Entre as propostas, destacou-se a troca de dívida por investimentos sustentáveis, uma modalidade em que a dívida externa de um país é perdoada ou reduzida em troca de compromissos com projetos ambientais. Essa medida aliviaria o peso da dívida e liberaria recursos para ações concretas de conservação.

Outro ponto levantado foi a emissão de Direitos Especiais de Saque (DES) pelo FMI para financiar a chamada economia azul. Os DES são ativos de reserva internacionais que podem ser alocados para fortalecer a liquidez de países e, se direcionados para a pauta ambiental, representariam um volume considerável de recursos para projetos de transição energética, conservação marinha e adaptação climática.

Lula também citou como positivo o plano da Organização Marítima Internacional (OMI) para zerar as emissões de carbono na navegação até 2050. Embora reconheça a importância dessa meta ambiciosa, o presidente cobrou medidas mais concretas e urgentes contra a poluição plástica nos oceanos e avanços significativos na implementação do tratado de biodiversidade de águas internacionais, conhecido como Tratado BBNJ (Biodiversidade Além das Jurisdições Nacionais), que visa proteger a vida marinha em áreas fora da soberania dos países.

A Agenda do BRICS e as Ações Concretas do Brasil

O compromisso do Brasil com a agenda oceânica não se restringe a discursos em fóruns internacionais. Lula expressou sua intenção de incluir o tema da economia azul e da conservação marinha na pauta da Cúpula do BRICS, que acontecerá em julho no Rio de Janeiro. Essa medida visa fortalecer a cooperação entre as maiores economias emergentes do mundo nesse campo. Para exemplificar o potencial de ação do grupo, o presidente mencionou que o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) do BRICS já destinou US$ 2,6 bilhões para projetos de água e saneamento, demonstrando a capacidade do bloco de financiar iniciativas essenciais para a sustentabilidade.

No âmbito nacional, o Brasil já vem implementando uma série de iniciativas concretas para impulsionar a economia azul e proteger seus ecossistemas marinhos:

  • Bolsa Verde: Um programa que beneficia cerca de 12 mil famílias de comunidades costeiras e tradicionais que se dedicam à preservação de áreas marinhas e à prática da pesca sustentável. Esse incentivo financeiro reconhece o papel crucial dessas comunidades na conservação da biodiversidade.
  • Carteira do BNDES para Economia Azul: O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) destinou uma carteira de US$ 70 milhões especificamente para projetos na área da economia azul. Esse investimento estratégico abrange diversas frentes:
    • Pesca sustentável: Apoiando técnicas e práticas que garantam a longevidade dos estoques pesqueiros e a subsistência das comunidades.
    • Planejamento costeiro: Desenvolvendo soluções para o uso sustentável das áreas litorâneas, conciliando desenvolvimento econômico e preservação ambiental.
    • Infraestrutura portuária verde: Investindo em portos mais eficientes e menos poluentes.
    • Recuperação de ecossistemas: Destinando recursos para a restauração de ambientes degradados como manguezais e recifes de coral, que são berçários da vida marinha e barreiras naturais contra eventos climáticos extremos.

Essas ações demonstram que, além do discurso, o Brasil está comprometido em traduzir seus objetivos em políticas públicas e investimentos concretos, servindo de exemplo para outros países em desenvolvimento.

Um Apelo por um “Mutirão Global”: A Urgência da Ação Coletiva

Para encerrar sua participação no Fórum de Mônaco, o presidente Lula fez um apelo contundente por um “mutirão global”. A escolha da palavra não foi aleatória; “mutirão” é um termo com raízes na cultura indígena brasileira, que descreve a união de esforços de uma comunidade em torno de um objetivo coletivo. A analogia resumiu perfeitamente a mensagem central de seu discurso: a crise dos oceanos e as mudanças climáticas exigem uma resposta unificada e sem precedentes da humanidade.

“O planeta não aguenta mais promessas não cumpridas. Não há saída isolada para os desafios que requerem ação coletiva”, concluiu Lula. Essa afirmação final encapsulou a frustração com as metas não alcançadas e a urgência de uma ação coordenada. O tempo para apenas promessas se esgotou; agora é o momento de compromissos concretos, financiamento adequado e uma vontade política inabalável para proteger os oceanos, que são o coração azul do nosso planeta.

Diplomatia Ativa: Lula em uma Série de Encontros Estratégicos

A passagem de Lula por Mônaco e sua participação no Fórum de Economia e Finanças Azuis foram parte de uma agenda diplomática intensa na Europa. Além do discurso no Fórum, o presidente teve uma série de encontros bilaterais estratégicos neste domingo, reforçando a atuação do Brasil no cenário internacional.

Ele se reuniu com o Príncipe de Mônaco, Alberto II, conhecido por seu engajamento em causas ambientais e na conservação oceânica, um encontro que certamente aprofundou o diálogo sobre a pauta azul. Em seguida, almoçou com o presidente do Conselho Europeu, António Costa, consolidando os laços com a União Europeia e discutindo agendas conjuntas de sustentabilidade e comércio.

Ainda em sua agenda, Lula teve compromissos importantes com a diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, com quem provavelmente abordou temas de educação ambiental e proteção do patrimônio natural, e com o presidente do Benim, Patrice Talon, fortalecendo as relações Sul-Sul e as parcerias com o continente africano em questões de desenvolvimento e sustentabilidade.

Essa série de encontros demonstra a determinação do Brasil em usar sua voz e sua influência para impulsionar a agenda de conservação marinha e as soluções para a crise climática. A mensagem de Mônaco é clara: os oceanos precisam de ação, e o Brasil está pronto para liderar esse “mutirão global”.